Meu sonho, no
passado, era para o futuro. Nele havia uma casa branca, com janelas bem grandes
pintadas de azul. A casa era tão grande que eu nem precisava chegar ao
parapeito da janela para ver metade da terra e do céu que estavam à minha
frente. A porta da sala ficava sempre aberta e nela começava um caminho que ia
até o fim do mundo. Na frente da casa havia um jardim cercado de gerânios e
atrás da casa tinha uma horta grande. Para as borboletas não havia divisas
entre a casa, o jardim, a horta e o fim do mundo. Elas tinham asas coloridas
como as flores.
Dentro da casa
morava eu com minha família. Eu tinha quatro filhos: dois meninos e duas
meninas, e um homem bom. Bom para todos e para mim também. A sala era bonita, nela
meus filhos podiam brincar, depois de crescidos podiam namorar. E a gente
proseava até não querer mais... Os quartos, onde meus filhos dormiam com cara
de anjos, eram amplos, limpos e cheirosos; nem um pé de meia fora do lugar, só
alguns brinquedos para me poupar de qualquer preocupação. No meu quarto, além
dos móveis habituais e os lençóis de linho branco, havia uma cadeira de balanço
linda e confortável que ganhei de presente do homem bom. Ele era zeloso comigo,
me deu a cadeira para evitar dores nas costas quando eu tive que amamentar
nosso primeiro filho; nela eu descansava meu corpo, aquietava minha mente,
embalava o sono dos recém-nascidos e sonhava com a felicidade já adquirida. A
dispensa, sempre cheia e organizada, era reservada; guardava de um tudo,
inclusive umas varinhas de pescar e segredos de gente grande! A cozinha era
quente e acolhedora, nela a gente sempre encontrava café pronto e qualquer um
que chegasse, fosse dia ou noite, comia e bebia. Tínhamos uma mesa bem grande
na varanda para acomodar grupos de ocasiões: família para rezar, comer e
conversar; mulheres para costurar vestidos de festas, saborear biscoitos de
polvilho, inventar novas receitas, sabotar a receita da vovó, fazer doces em
tachos de cobre, confidenciar intimidades, dividir segredos e falar da vida dos
outros; homens para tratar de negócios, comer lambaris fritos e outras
delícias, tomar uma birita para driblar o frio e contar piadas indecentes. Na
varanda da cozinha corria uma bica de água cristalina que vinha lá de cima das
montanhas, de uma fonte que brotava entre duas pedras brancas. Na porta de
entrada da varanda, nas horas vagas, dormia nosso cachorro (bom de caça) e mais
dois gatos para dar conta dos ratos atrevidos. No terreiro da frente (próximo
ao jardim), havia uma árvore frondosa e florida. Nos dias quentes de verão, ela
abria sua saia de sombras para quem quisesse tirar uma pestana, jogar conversa
fora, fazer carinho nos bichos, namorar ou ficar em silêncio, comungando a
natureza. Seus galhos fortes sustentavam uma gangorra feita para gente grande e
pequena, uma casinha de João de barro, um ninho de andorinhas. Às vezes, sua
copa era usada como aeroporto para pousos emergentes ou como palco para shows
de cantoria da passarada, nas tardes de outono. Depois da porteira que cercava
o jardim, na colina em frente, ficava a capela construída para nosso santo de
devoção. No sonho que morava em mim, havia escassez de lágrimas e excesso de
gargalhadas. Abraços e beijos falavam mais que palavras. Mas, gritos também
havia: gritos surpreendentes porque vovó e vovô chegaram com uma mala cheia de
presentes e histórias, porque os pintinhos quebraram as cascas dos ovos e
piavam no ninho, porque papai comprou mais um porquinho, porque a laranjeira
amanheceu em flor, porque o cardápio de hoje é nosso prato preferido, porque
alguém perdeu o primeiro dentinho... O homem bom e eu estávamos unidos até
quando estávamos separados. Quando eu me ausentava, era só ele olhar para as
meninas para ver minha presença espalhada nelas e eu, também via sua imagem espelhada
nos movimentos, nas vozes e nas brincadeiras dos meninos. Nossa vida era calma,
tranquila, saudável e completa. No meu sonho, eu era feliz!
Mas, meu sonho foi
construído para ser vivido no futuro e quando cheguei lá, o futuro havia
passado e o sonho, acabado. Melhor não ter pensado. Melhor não ter sonhado. Então,
sem futuro e sem passado, só tive presentes