domingo, 19 de junho de 2011

A TEORIA DA SALVAÇÃO


Partindo do princípio que todo cristão tem como objetivo final ver Deus,
esta é a ‘Teoria da Salvação’.

Você faz tudo certo aqui na terra na intenção de ir para o Céu e ver Deus. Então, você morre e a primeira coisa que faz é pegar o caminho do Céu, rumo à vida eterna, só que na pressa, você pega um atalho e vai parar na porta dos fundos. Todo desconfiado, você bate na porta e o Anjos da Guarda aparecem para te receber transbordando alegria. Eles te abraçam, te beijam, dão boas vindas na intenção de fazer com que você se sinta bem; contam as novidades, te instala num chalé confortável com um lindo jardim na frente e uma límpida cascata ao fundo; te dizem que dali há sete dias você terá um encontro muito importante (e você idiota que é, já pensa que vai ver Deus).
Durante cinco dias você come o manjar dos deuses, dorme o sono dos justos e.... E o tempo passa. Chega o sexto dia: ‘o dia da reparação’. Você é acordado pelo seu Santo Protetor. É isso mesmo, aquele Santo que você encheu o saco toda vez que esteve em apuros, é ele quem vai lavar a sua alma. No quarto de banho há uma enorme banheira, cheia com o leite que você mamou na sua mãe, quando nasceu - se por acaso você não teve essa chance, não se preocupe que você não será esfregado a seco. No Céu existem muitas reservas de leite de mãe e o seu Santo Protetor vai completar o que falta, é para isso que eles servem (também). Conforme a cor da sua alma, o banho pode durar horas. Se tiver que limpar orgulho, inveja, ira e coisas do tipo junto com poluição externa como esmalte, tinta de cabelo, nicotina, cheiro de álcool, essas coisas que são feitas em nome da vaidade e da auto-destruição, você vai ter que ficar de molho quase o dia todo e aí você corre o risco de sair do banho com a alma pelada - o que pode não ser muito bom para a sua reputação visto que, esse estado de alma pode causar algum constrangimento e até mesmo repugnância. Depois do banho seu Santo te veste uma túnica branca e leve; penteia seus cabelos, escova seus dentes (isto se você ainda tiver cabelo e dente), te beija na testa e canta até você dormir. Depois que você dorme, ele passa uma borracha no seu cérebro, te deixa zerado e vai embora. No outro dia você acorda, mas não se lembra de nada, nem mesmo que tinha um Santo Protetor. Você levanta que nem barata tonta e caminha em direção ao jardim. Lá está o Anjo da Anunciação, sentado numa cadeira de balanço, toda enfeitada de flores, à sua espera. É ele quem vai te conduzir ao lugar para aonde você deve ir. Em pouco tempo vocês chegam a um grande teatro. Na entrada, do lado de fora você lê, em letras grandes e luminosas: GRAN FINALE, embaixo, em letras bem minúsculas e sem nenhum brilho, está escrito o seu nome. Lá dentro, no centro do palco há uma cadeira dura, sem braços e encosto, cujo objetivo é te deixar o menos relaxado possível. Na platéia estão todas as pessoas que de algum modo passaram pela sua vida, até mesmo aquelas que você jura que nunca viu, mas que, numa multidão qualquer, por um motivo qualquer, colocou os olhos em você mesmo que por uma única vez. Você não vê ninguém. Eles estão no escuro propositalmente enquanto que você está na luz justamente para que todos vejam a sua cara que, conforme foi a sua vida pode ser de pau, de palhaço, de otário, de besta; de qualquer coisa, menos de santo, é claro! Ao soar as trombetas, o Anjo de voz doce e suave, te anuncia. Da platéia não se ouve nada. Depois que você senta, sai de trás das cortinas a Justiça carregando O Livro da Vida, coloca-o em cima de uma mesinha que está ao lado da sua cadeira (para o caso de você querer renegar o passado), se senta na primeira fila, bem à sua frente e aperta o controle remoto. Um telão se abre exibindo paisagens dos lugares por onde você andou, junto com a trilha sonora de sua preferência. As cenas começam com o primeiro encontro de seus pais e vão transcorrendo sucessivamente até a sua morte para mostrar o que você fez e o que fizeram a você - tudo anotado no livro. Ao término da exibição, somam-se os pontos e lidera o que tiver maior saldo: se foram os positivos, você fica no lucro; se foram os negativos, você vai ter que correr atrás do prejuízo. Depois da ficha corrida, você foi informado que, apesar de tudo, ficou no vermelho. Em débito, terá que encontrar todas aquelas pessoas com as quais está em dívida, menos as que entraram pela porta da frente, essas foram direto para o Céu e já te perdoou. As outras que se arrependeram, estão fazendo a parte delas: as Ovelhas Desgarradas foram incumbidas de arrancar a lã das Ovelhas Negras, durante a noite, para tecer casaquinhos para as criancinhas que morreram de frio; as Ovelhas Negras estão em liberdade vigiada e prestam serviço durante o dia, na casa do Chifrudo, enquanto resistirem à tentação; as Almas Penadas estão vomitando no Purgatório e ainda não estão em condições de trabalho e as Perdidas, como o próprio nome diz, estão perdidas. E adivinha onde? Isso mesmo, no inferno, porque também não eram boas biscas. Para obter o perdão, terá que ir a cada lugar desses e encontrá-las. Para encontrar as Desgarradas, é só comparecer todas as manhãs na hora da Ave-Maria; para encontrar as Almas Penadas você pode contar com os amigos (se você não tem e ainda não morreu, está em tempo); para encontrar as Ovelhas Negras, pode levar seu melhor amigo (aquele que dizia que dava o sangue por você), mas para encontrar as Almas Perdidas, você só poderá contar com uma pessoa: sua mãe (se ela ainda estiver viva, terá que esperar). Se por acaso sua mãe for daquelas que não liga para os filhos, não se desespere. No Céu há sempre uma alma boa que irá oferecer a dela que, com sorte, pode ser melhor que a sua. Embora a necessidade te obrigue a fazer coisas que nunca pensou que faria, seu tempo será determinado. Você terá setenta e seis dias para voltar do inferno, se completar setenta e sete, todos os caminhos desaparecerão e você estará perdido para sempre. Na trajetória todo cuidado é pouco, nesse momento, você estará entre a cruz e a caldeira.

Coragem! Sabe aquela história que o inferno é na terra? Não caia nessa! Ele existe, é um buraco negro, cheio de fornalhas ardentes, feito para cozinhar os pecadores ao som metaleiro dos adolescentes rebeldes que habitam por lá! Quem atiça o fogo são criaturas com chifres e rabos peludos que - com anos de experiências e já diplomadas em suas tarefas - viraram Demônios. O caminho é uma longa pinguela de ferro em alta temperatura para queimar seus pés e o corrimão é feito de gelo seco com fumaça que cheira a enxofre. Sua companhia, temendo por sua alma, te impede de desistir toda vez que você tenta. Com muita dificuldade, você chega. Na entrada, ninguém aparece para te receber e nem para te instruir nessa empreitada (o que é ótimo, dadas às circunstâncias). A lei que rege o inferno é a Lei do CÃO e você, meu amigo, para encontrar o inimigo, vai ter que rebolar! O Diabo, PhD em trapaças, quando fica sabendo do fato, faz várias cópias de quem você procura, esconde a original e espalha as outras em pontos estratégicos só para te enganar. Com isso sua missão se torna, praticamente impossível. Em meio a tanta agonia, sua companhia também são seus olhos, ela teme pelo tempo e começa a refletir sobre o sentido de sua busca e então resolve examinar de perto, todas as cópias e descobre que o Diabo deixou rabo. Apesar dele ter tentado, não conseguiu fazer cópias autênticas, nenhuma delas possuía um coração. Mediante descoberta, ela decide examinar você e descobre que seu coração está em estado de Graça: é leve, limpo e livre de todo e qualquer sentimento de maldade. Nessas condições, ela conclui que seu caminho pode ser outro. Então, te puxa pela mão e, juntos, saem correndo. Chegam ao Céu bem na hora da: ALELUIA! ALELUIA! ALELUIA! Em meio a oração, você se perde da mãe e novamente aparece o Anjo da Anunciação, dessa vez sem anuncio. Nada te é prometido ou oferecido. Ele te leva para o mesmo chalé, te deixa lá, dando a entender que tudo voltou à estaca zero. O tempo vai passando e nada acontece então você pensa que foi abandonado, entra em desespero e começa a perder o que tem de mais sagrado: a fé. E, à medida em que sua fé vai sumindo, sua consciência vai aparecendo e conseqüentemente, você vai se enfraquecendo (caminhando para a morte eterna). Sem força de vontade dentro de si, não reage e agoniza na amargura de ter perdido a chance pela qual tanto lutou. Prestes a perder também a esperança, levianamente, você olha pela janela para ver como está o tempo e leva um susto daqueles! Lá fora, no jardim, está Nossa Senhora, sentada na cadeira de balanço enfeitada de flores, esperando por você! Você se aproxima em passos lentos e descobre que Deus havia lhe enviado a SUA PRÓPRIA MÃE para te acompanhar na sua mais difícil missão. ELA olha para você, te abraça e sorri com o sorriso mais encantador que você já viu. E assim você entende que seu tempo agora é outro, sua alma está salva, seu caminho está livre. ELA te pega pela mão e caminha junto com você na direção do infinito. Por conta da volta da consciência fora do tempo, ainda há em você um resquício de memória da vida terrena; aborrecido, reclama que ainda não viu Deus.
Então... Ela abre a Agenda Sagrada, marca um horário, te dá aula de etiqueta, molha o dedo no cuspe para limpar sua remela, ajeita sua sobrancelha, te coloca na mão o endereço e te avisa: filho, esse caminho você vai ter que fazer sozinho! Boa sorte!
                                                                                                           Malva Maria.

sábado, 21 de maio de 2011

Livro: Flores de Condão

Terminei de escrever meu primeiro livro mas, ainda sem publicação. Para situá-los no contexto, posto esse texto.
                       Ensaio lúgubre
(Muito prazer, eu sou... assim)

No inicio era a oralidade... As histórias eram contadas. A minha, oferecida! Sempre que as apresentações iam além do muito prazer, eu me apresentava, em capítulos, aos canteiros - por falta de tempo. Era assim, muito intimamente, que as pessoas passavam a me conhecer: através da minha história! Quem me ouvia, perguntava: “por que você não escreve um livro?” Mesmo depois de muito tempo, quando me encontravam novamente, faziam a mesma pergunta. Até que eu, que sempre almejei ser escritora, decidi que ia SER. Por algum tempo exercitei o ofício, escrevi e joguei fora. Às vezes resolvia que ia dar um rumo certo para a minha escrita, mas quando ficava insatisfeita, dizia para mim mesma que não era capaz e pegava tudo, rasgava e jogava no lixo. Depois de muito tempo, entendi que o que eu jogava eram apenas os papéis. Minha história continuava dentro de mim e se expandia cada vez mais. Conclusão (óbvia!): minha história sou eu. E eu não posso me livrar de mim mesma. Para chegar aonde eu queria (me convencer que era capaz), minha mente passou a escrever por conta própria. Escrever, ler, criticar, descobrir, inventar, refazer e mutilar. Involuntariamente, descontroladamente, repetidamente. Se antes eu tinha na cabeça uma caverna cheia de desenhos rupestres, agora ela estava inteira, ocupada por páginas e páginas impressas de mim mesma. Quando resolvi parar para esticar a memória, reconheci os sintomas da loucura, mas era tarde. Já havia caído no vício. E novamente, tudo recomeçou. Até que não consegui mais parar por nada. Meus pensamentos, multiplicados em milhões de mega pixels, me torturaram até se tornarem maiores do que eu. Foi um transtorno descobrir que eu não mandava mais em mim. Depois de muito relutar em tornar minha história concreta, aconteceu o que eu menos esperava: meu cérebro transbordou. Corpo e mente não se davam mais; perdi o controle e entrei em colapso. Meu sistema não comportava mais tantos traços e rabiscos; tantas palavras e idéias; tantos tropeços e correntezas; faltava espaço. Foi quando recebi um alerta de vírus, com efeitos colaterais: mal-estar súbito com ânsia sem vômito. Parecia que eu havia engolido um pássaro com asas e toda vez que ele batia as asas para voar, eu impedia engolindo-o novamente. Minha mente dizia: voe! Meu corpo dizia: não posso! Então, fiz o que acreditei ser possível: ignorei os limites e descartei as necessidades. Mas, meu orgulho próprio sempre fora exacerbado e o desejo de me salvar foi mais forte que a vontade de me abandonar. Quando cheguei ao ponto máximo das minhas forças, resolvi me passar a limpo e me programar de novo. Munida de uma intuição lógica (e patológica), juntei alma e coração para me derramar até fluir todo o meu SER. Eu sabia que se enfiasse o dedo na garganta, ia vomitar até morrer de fraqueza. Então, sucumbi o corpo à mente; ele sofre, mas ela não sente. E, ao invés de vomitar, eu deixei o pássaro voar...

Nesta história um escritor é ameaçado de morte e tem que escrever um livro. Forçado, ele aceita, mas se exclui de qualquer responsabilidade. Da mesma forma que ele, quem o ameaça, também está com seus dias contados. Ambos sonham com a fama, mas um ainda nem começou a carreira e o outro já chegou ao fim. Por falta de coragem, o escritor cuja identidade é quase desconhecida, permanece no anonimato e em seu lugar, uma personagem se expõe e encara qualquer desafio. Acontece que os problemas são reais, como personagem não é gente, ela não pode assumir nada. Eles não se dão bem, mas entram num acordo para realizar a tarefa juntos, como última tentativa sobrevivência.

Em respeito aos leitores, por quem nutro considerável admiração, eu não queria ser mais uma pessoa que escreveu um livro. Se literatura é arte (e sabemos que é), penso que ninguém tem o direito de escrever por escrever. Então, o que fiz foi relatar o que aconteceria comigo, caso eu quisesse ser escritora. Isso pode lhes parecer estranho, mas entenderão quando estiverem lendo o que escrevi. Quanto ao título, não foi escolhido ao acaso, ocorreram-me vários outros, porém nenhum foi suficiente para definir com fidelidade meus desejos e minhas fantasias. Cada episódio é um canteiro de sementes encubadas, esperando o tempo certo para desabrochar em flores. Potencialmente, cada flor contém uma realidade fantástica ou uma fantasia real, você decide. Mas, não se esqueçam que cada história é quase uma mágica na escala de sobrevivência. Contudo, não há nem bandido, nem herói, nem príncipe, nem rei, nem bruxa, nem fada. Junto com o título, o contexto é apresentado numa linguagem mista de identidades variadas que entremeiam os séculos dezenove e vinte. O escritor (personagem) e a narradora (personagem) são antagônicos; lutam juntos, mas permanecem separados. Além deles, existem outras personagens de almas nuas, viciadas e dependentes, cada uma a seu modo, mas com características bem humanas. Elas se expõem, desafiam, mexem, incomodam, inibem, intimidam, absolvem e concebem com mentiras, invenções e enganação de acordo com a verdade que conhecem; na esperança de serem vistas por quem quiser olhar. Todas vivem em controvérsia num mundo irônico e equivocado; enredadas pelo destino, se sobrepõem ao passado e ao presente para abrir possibilidades (imaginárias) no futuro. Suas atitudes e conceitos diferem na forma de encarar os movimentos circunstânciais do regionalismo cultural, da ciência especulativa, da fé cega e do sentimentalismo banal. Gostaria de dizer que tenho personagens geniais, mas não posso. Elas são sobreviventes, decorrentes de uma confusão concreta entre conhecimento e ignorância. Elas se atropelam nas palavras e nas idéias, mas se encontram nos ensaios sem pronúncia, no abismo da existência e no mistério da invenção. No entanto, devo dizer o que a mim compete: tenho personagens excepcionais, com sensibilidade suficiente para fazer qualquer um compreender que a vida é maravilhosa, cheia de efeitos especiais! Portanto, brindem à sorte! A sua! A nossa!

Com o pretensioso objetivo de cutucar cérebros e desfolhar pensamentos, o livro apresenta lacunas, permitindo que os leitores se infiltrem na história - seja através do drama, tragédia, comédia, ação ou terror - para preenchê-las, de forma que possam se constituir como leitores - criadores. Enfim, com doses moderadas de felicidade, tristeza, sarcasmo, deboche e atrevimento, eu me libero de qualquer compromisso, a partir de agora. Para vocês: Flores de Condão! Malva Maria.