quinta-feira, 25 de julho de 2013

História inventada

“Será que nem no Céu a gente manda na gente?”

Para defender uma tese criada por mim mesma de que todas as pessoas têm um histórico antes de chegar aqui na Terra e que pode ser contado de acordo com a vida que se vive, apresento lhes (do ponto de vista cristão), uma história hipotética e patética baseada na vida da Menina.
Antes de nascer, as pessoas vivem belas e folgadas no Céu, umas desfrutando das coisas boas, outras ensinando o que consideram importante para melhorar a essência do ser e outras aprendendo a ser gente, para não chegar aqui dando vexame e fazendo Deus passar vergonha. Mas tem gente que parece que tem espírito de porco e nem o Céu está bom para elas. Era o caso da Menina. Ela achava que no Paraíso tinha regras demais, silêncio demais e bondade demais! E desde que chegou lá, tinha vontade de virar tudo de cabeça para baixo, mas não podia. Então, desde que passou a morar lá ficou sem ter o que fazer, e isto a desmotivou. Conhecer o inferno podia até ser uma boa, pensava ela, mas faltava coragem, visto que o Diabo vivia campeando almas e tinha fama de gostar de carne fresca. Então, num belo dia, decidiu que ia voltar para a Terra. Por aí já se pode ver que era uma besta! Se no Céu ela não podia fazer o que queria, aqui é que ela ia conseguir? Pois bem, para voltar ela precisava de autorização. Pelos trâmites legais, ia demorar uma eternidade tendo em conta seu crescimento pessoal. Claro que, estando onde estava não ia poder contar com a possibilidade de uma falsificação de documentos ou apadrinhamento político. Sem plano A ou B, resolveu ir pelo caminho mais óbvio e também o único. Resolveu que ia procurar Deus para conversar a respeito. Só tinha um problema, Deus não era uma figura carimbada que aparecia toda vez que era invocado, procurado ou perseguido. Estava sempre muito ocupado e para dar conta dos afazeres, levando em conta a extensa geografia do universo, cada dia morava num lugar. Sem agenda prévia, muitos nunca sabiam onde Ele estava. E deve ser por isto que alguns até duvidavam de Sua existência. Ele tanto podia estar no norte, como no sul; morando num palácio ou numa cabana. Na realidade, o que fazia o endereço de Deus ser reconhecido era o símbolo da cruz, nada mais. Sempre que chegava num lugar, a primeira coisa que fazia era fincar a cruz no chão (aqui para nós, tenho para mim que Ele também não suportava rotina de espécie alguma). E a Menina, crua de tudo e sem a menor noção de direção, enquanto Deus estava de um lado, ela estava do outro. Mas, se aqui na Terra, quem tem padrinho não morre pagão, no Céu também não é diferente. A sorte é que ela sempre teve algo a favor de si: a imaginação. Daí a concluir como encontrar Deus foi um pulo! Não era segredo para ninguém que Deus batia o ponto nas horas mais iluminadas do dia, em casa de Sua mãe. Nossa Senhora morava confortavelmente num chalé de cristais azuis e em volta havia um jardim de flores pintadas a mão. Além disso, a santa tomava banho de cheiro, chá de flores no inverno e suco de melancia no verão, sempre à mesma hora do dia. Os anjos de fora colhiam as flores e os de dentro preparavam o banho e serviam o chá ou o suco, conforme a época; depois tocavam harpa enquanto Mãe e Filho conversavam. Embora Deus fosse adulto e dono do nariz Dele, por medida de aproximação familiar, tinha como obrigação cumprir o protocolo e Se apresentar a estas cerimônias quando estava livre. A Menina, devota fiel, toda vez que se sentia perdida recorria aos poderes da Mãe. Assim sendo, conhecia bem o chalé de cristal azul e resolveu que ia esperar o Criador, todos os dias, na entrada do jardim. Tarefa difícil! Ele, sabendo de antemão o que se passava com ela, quando a via, apressava os passos e passava tão rápido que nem tomava conhecimento de sua presença. O querubim, acompanhante de Deus, não entrava no chalé, ficava do lado de fora. Depois de algum tempo, enquanto esperava, ficou intrigado com a presença contínua daquela lombriga esticada na entrada do jardim e resolveu se aproximar para indagar sobre a situação. Ele, como sentinela, tinha essa obrigação. Ela contou o que pretendia e ele resolveu ajudá-la. Como não tinha poderes para resolver o assunto em questão, pediu a ela para escrever uma carta especificando e justificando seu pedido e prometeu que ia entregar em Mãos. Assim foi feito. Mas, muitos dias se passaram e nada aconteceu. Não se soube como, Nossa Senhora ficou sabendo do ocorrido. E, como sempre, se propôs a ajudar sem que a necessitada soubesse. E para facilitar, quando a Menina estava muito distante de Deus, a santa, sem querer se meter diretamente nos assuntos divinos, dizia a seu filho que estava precisando sair um pouco, fazer caminhada para combater o sedentarismo e que por algum tempo preferia visitá-Lo. E foi seguindo Nossa Senhora que a Menina sempre encontrava o paradeiro de Deus. Nos dias que Ele saia de casa, ela ficava em frente a cruz, esperando. Quando Ele chegava (porque Deus sempre volta para casa), lá estava ela; parecia o cão de Ulisses, não arredava o pé. Ele, sem tempo para assuntos banais, passava batido. Às vezes ela só sentia o vento da passagem resfriando sua cara. Num dia desses, Nossa Senhora chegou e dois minutos depois, saiu. A Menina estranhou porque não tinha dado tempo nem de tomar um gole de nada, o que teria acontecido? Então ela tomou coragem e bateu na porta, quem abriu foi o mesmo querubim que ficou de entregar a carta. Ele disse que, de sua parte, tudo foi feito conforme prometera. Ela ouviu e insistiu para falar pessoalmente com o Patrão dele. Mas Deus não se encontrava, teve que atender um chamado de urgência para resolver uma pinimba na Terra, (disciplinar o advogado do diabo). E assim o tempo foi passando. Mas, um dia, devido à insistência, a teimosa decidiu tomar uma atitude mais drástica e quando viu que Deus estava Se aproximando, pulou na frente Dele. Naquele dia Deus estava de saco cheio e quando olhou para ela, parada ali na sua frente que nem um dois de paus, teve que parar também. Muda de tanto medo, sua voz não saia. Percebendo a situação embaraçosa, Deus se apoiou no cajado e ficou serenamente esperando. E nada. Então, a providência divina adiantou os fatos: Ele perguntou o que ela queria e ela respondeu. Deus até teve vontade de dar umas cajadadas nela, mas como Pai Supremo sabia que não ficava bem, então respirou fundo, contou até três, juntou o resto de paciência que ainda tinha e disse: “Filha, você não pode ir agora, ainda está no jardim de infância, tem que aprender a ser gente primeiro. Quando chegar a hora, você vai... Boa noite e até daqui a muito tempo”. Ele virou as costas e ela foi atrás tentando argumentar. Dizia que não aguentava mais aquela monotonia, que todo dia era a mesma coisa, que nada mudava, etc, etc... Mesmo estando Deus cansado, com fome, com sede e sono, fez das tripas o coração para dar atenção: “Olha, você viu o que aconteceu da última vez, você chegou aqui antes do tempo combinado e isso é grave! Não seja precipitada, não vai por tudo a perder agora.” Mas, ela continuou insistindo. Quando viu que Deus não cedia, apelou: “Se o Senhor não autorizar, eu vou pular lá embaixo, por minha conta!” Aí Deus ficou furioso! “Ah, é? Você está pensando o quê? Que essa passagem virou bueiro, que qualquer animal sobe e desse na hora que quer? Pois se enganou meu bem, seja de lá para cá ou daqui para lá, quem manda no pedaço sou Eu! Mas, tudo bem, você que ir? Então vá! Mas, não chegue aqui antes do tempo. E nunca! Eu disse nunca abra a boca para reclamar de nada. Depois não diga que Eu não te avisei, ouviu?”. Dito isto, pá! Sentou o pé na bunda dela. E foi assim que a esperta caiu nessa esparrela. Quando chegou aqui, teve tanto medo que passou onze dias sem fazer xixi. Do livro: Um cheiro de flor.

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